quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

A amizade e a colaboração intelectual entre Peter Gast e Nietzsche


Peter Gast


Ontem foi comemorado o dia do amigo e tão logo lembrei da incrível amizade que foi de fundamental importância para Nietzsche.

A relação entre o filósofo alemão e Johann Heinrich Köselitz - Peter Gast é uma das amizades mais marcantes na história da filosofia. Köselitz, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Peter Gast, criado por Nietzsche, foi um amigo fiel e colaborador intelectual de Nietzsche por cerca de vinte anos. 

A importância dessa amizade influenciou o trabalho filosófico de ambos. 

A amizade entre Nietzsche e Gast começou em 1876, quando eles se conheceram na Universidade da Basiléia, onde Nietzsche era professor de filologia clássica. O jovem Gast se aproximou de Nietzsche com entusiasmo e admiração, impressionado com sua personalidade magnética e suas ideias revolucionárias. Gast rapidamente se tornou um confidente próximo de Nietzsche e começou a desempenhar um papel fundamental em sua vida. 

Gast era uma figura discreta, sempre leal e pronta para ajudar Nietzsche em todas as circunstâncias. Ele assumia tarefas práticas, cuidando das necessidades diárias do filósofo, como a correspondência, cuidados com a saúde e a organização de seus escritos. Nietzsche apreciava imensamente a dedicação de Gast, tendo a ele se referido como o "mordomo mais bonito" que já teve e ainda referi-se ao amigo como "o leão de Veneza", devido às suas composições líricas e por Peter ser de Veneza. 

A parceria entre Nietzsche e Gast não se restringiu apenas às tarefas de apoio prático, mas também envolveu significativa colaboração intelectual. Gast era um crítico atento das obras de Nietzsche, oferecendo sugestões e insights valiosos durante as fases de escrita e revisão. Ele também foi um dos primeiros a reconhecer a importância da obra de Nietzsche, incentivando seu amigo a continuar sua busca filosófica única.

Nietzsche, em seu discreto senso de humor, afirmou que Peter Gast foi quem realmente escreveu "Humano, demasiado humano", e que ele havia apenas ditado o escrito.

A influência de Gast na obra de Nietzsche foi sutil, mas significativa. Ele desempenhou um papel fundamental na concepção e edição de algumas das obras mais importantes do filósofo, incluindo "Assim Falou Zaratustra" e "Genealogia da Moral". A presença de Gast nas ideias de Nietzsche é ainda mais evidente em seu último e enigmático trabalho, "Ecce Homo", que é dedicado a ele.

Infelizmente, a amizade entre Nietzsche e Gast teve um fim triste e abrupto. Em janeiro de 1889, Nietzsche sofreu um colapso mental, colocando um ponto final em sua carreira filosófica e na amizade com Gast.

Nietzsche passou seus últimos anos em um estado de completa incapacidade, enquanto Gast pouco ou nada pode fazer a respeito.

Gast desempenhou um papel essencial na vida e no trabalho de Nietzsche, oferecendo apoio prático, contribuições intelectuais valiosas e uma amizade leal. 

Embora a amizade tenha chegado a um fim trágico, o legado de Gast vive nas obras de Nietzsche e na memória de sua colaboração intelectual notável.

Até breve!

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Recomeços...


"Minha fórmula para a grandeza do homem é o Amor Fati: 
Não querer nada de outro modo, nem para adiante, nem para trás, 
nem em eternidade. 
Não meramente suportar o necessário, e menos ainda dissimulá-lo,
mas amá-lo.

O conceito de Amor Fati, ou "amor ao destino", foi introduzido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Segundo Nietzsche, o Amor Fati é a aceitação incondicional e apaixonada de tudo o que acontece em nossa vida, incluindo nossas circunstâncias, escolhas, erros e sucessos. É a crença de que tudo o que acontece está intrinsecamente ligado ao nosso crescimento pessoal e que devemos abraçar cada momento como parte fundamental de nosso caminho.

No contexto de nosso dia a dia, o Amor Fati nos lembra da importância de abraçar as experiências positivas e negativas que encontramos. Muitas vezes, tendemos a resistir e fugir de situações desconfortáveis ou desfavoráveis, buscando apenas o prazer imediato. No entanto, o Amor Fati nos incentiva a aceitar essas situações e entendê-las como oportunidades de crescimento e aprendizado.

Em nossas vidas, é comum enfrentarmos desafios, fracassos e obstáculos. O Amor Fati nos ensina a abraçar essas dificuldades como parte do processo de desenvolvimento humano. Ao invés de nos lamentarmos ou desistirmos quando as coisas não saem como planejado, é essencial adotarmos uma atitude de aceitação e aprendermos com cada experiência.

O recomeço é uma parte fundamental do Amor Fati. Todos nós cometemos erros e, por vezes, nos encontramos em situações nas quais não queremos estar. No entanto, o Amor Fati nos encoraja a ver essas situações como oportunidades para reavaliar, reinventar e avançar em direção a um novo começo. Ao abraçar cada recomeço em nossas vidas, nos permitimos crescer, aprender e nos tornar mais resilientes.

Além disso, o Amor Fati também nos ajuda a aproveitar o presente e encontrar alegria nas pequenas coisas do dia a dia. Ao aceitarmos completamente as situações em que nos encontramos, não somos mais prisioneiros da insatisfação ou da busca eterna por algo melhor. Podemos encontrar beleza e gratidão no momento presente, valorizando cada instante como um presente único.

Em suma, o Amor Fati nos convida a abraçar cada aspecto de nossa vida, incluindo as experiências positivas e negativas, como partes integrantes de nosso crescimento pessoal. A importância dos recomeços em nossas vidas está em aprendermos com nossos erros, crescermos com cada situação desafiadora e encontrarmos alegria e gratidão no presente. Ao adotarmos essa mentalidade, nos tornamos mais resilientes, flexíveis e capazes de enfrentar as adversidades com coragem e sabedoria. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Setembro Amarelo

"Precisamos  resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa insanidade oculta."
Michel Foucault (1926-1984)


Resolví iniciar este artigo com um pensamento forte de Foucault a respeito de saúde mental.  Esta ideia está diretamente ligada ao mês do Setembro Amarelo. Mas qual o significado do Setembro Amarelo?

O mês de setembro é dedicado à conscientização sobre problemas mentais e em especial, à prevenção do suicídio. No dia 10 de setembro temos o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, que no Brasil foi instituído no ano de 2015. 

Esta data é mundial e foi criada em função do suicídio do jovem estadunidense Mike Emme, de apenas 17 anos. Mike era considerado um jovem normal, sem problemas aparentes, e que tinha como hobby restaurar seu Mustang amarelo. No dia 10 de setembro de 1994, Mike suicidou-se dentro de seu caso, o que causou choque e comoção à sua família e amigos.

Desde a primeira vez que lí a respeito desta triste história, me pergunto sempre quantos "Mikes" existem mundo à fora, que sofrem em silêncio por medo de expor o que sentem e serem considerados fracos ou insanos. 

Em todos os artigos relacionados à Saúde Mental que escrevo, faço questão de frisar o grande problema que enfrentamos em relação ao TABU que foi instituído em torno deste tema. Por este motivo as pessoas tem medo do tema, sabem muito pouco a respeito e querem saber menos ainda. 

Quando desenvolvi um trabalho em meu Mestrado em Psicanálise referente à "Saúde Mental no Mundo Pós Pandemia", usei como base o livro "A História da Loucura na Era Clássica" de Michel Foucault. Este livro acabou por me despertar uma ampla visão a respeito do tema pois a "doença mental" foi tratada por muito tempo como algo degradante, que fazia com que as pessoas fossem ostracizadas, internadas, colocadas no mesmo nível de criminosos. Doentes mentais eram considerados párias da sociedade e, por isso mesmo até hoje a maioria das pessoas encontra dificuldade em assumir que tem problemas mentais e, principalmente, hesita em procurar ajuda especializada.

Mas para tratar de algo precisamos entender seu siginificado. Assim, o que é Saúde Mental? 

Definir saúde mental não é tão fácil quanto definir saúde física. Quando se trata desta última, pode-se dizer que a ausência de doenças, dores, indisposições já carateriza a saúde física. Mas e quando as coisas acontecem na mente, de forma invisível, muitas vezes nem percebida pelo doente? Por isso é premente a necessidade de ficar atento aos sinais que você sente e sentindo algo diferente, procure ajuda. 

É necessário frizar aqui que existe uma forte diferença entre os termos TRANSTORNO MENTAL e DOENÇA  MENTAL. Falar de doença mental é algo bem específico. Parte-se do princípio que existe uma causa, um diagnóstico, um tratamento, ou seja, um esquema padronizado para lidar com a situação do doente. Transtorno mental é uma classificação mais genérica, mais ampla, e por ser multifatorial, abrange uma tragetória diagnóstica que varia de pessoa para pessoa e com tratamentos diversos.

Mas o diagnóstico, qualquer que seja, necessita primeiramente que as pessoas vençam o preconceito. Vemos casos em que os transtornos mentais, por desconhecimento, são vistos como "fraquezas" do indivíduo, sobre as quais ele poderia atuar e não o faz. Outras dizem ser falta de "deus", carência e assim por diante. Logo, se a pessoa não precisa de nada, não tem porque ter um transtorno.

Para mudarmos essa visão errônea, o combate ao preconceito é essencial. 

Preconceito é, em essência, julgamento prematuro, ou seja, julgamos sem conhecer as coisas em sua plenitude. 

Combater o preconceito, portanto, passa por estabelecer uma convivência entre as pessoas ditas "diferentes", para que elas possam conhecer-se melhor e saber que cada um tem seu "jeito de funcionar" e que o jeito do outro não precisa ser igual ao meu para que eu o respeite.

Deste modo, é muito importante buscarmos maiores informações sobre saúde mental e saber respeitar a dor do outro. Por mais que a teus olhos possa parecer mimo o que alguém sente, lembre, se essa pessoa  está falando de sua dor, é porque ela precisa de ajuda. 

Sejamos mais empáticos com as pessoas a nossa volta e principalmente com você mesmo, só assim conseguiremos virar este jogo, e aos poucos, vamos implodindo este senso comum em volta do Tabu em relação à Saúde Mental.

Até breve!

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Aforismos

Por definição, "aforismo é qualquer forma de expressão sucinta de um pensamento moral. Do grego “aphorismus”, que significa “definição breve”, “sentença”. 

A escrita por meio de aforismos é a grande marca  do trabalho filosófico de Nietzsche. Boa parte de seus escritos são aforísticos e fragmentados e sintetizam grandes reflexões. Nietzsche escreve conforme as coisas vem à sua mente. 

Nietzsche tinha o claro objetivo de fazer com o que o leitor "ruminasse" de forma lenta e consistente  cada aforisma e assim compreendesse o que está sendo colocado, não como uma algo inquestionável mas, como algo a ser pensado.

O filósofo alemão tece sua crítica à toda a estrutura do pensamento Ocidental, pois para ele trata-se da história de um erro. Para Nietzsche a base do pensamento socrático-platônico, a moral, o Cristianismo e o sentido de bem e mal adoeceram o ser.

Em sua II Consideração Intempestiva (1874), ele afirma que a essência de sua profissão enquanto filólogo, é:

"Agir contra a sua época, sobre sua época, e em benefício de uma época vindoura".

Assim, Nietzsche molda sua forma de pensar totalmente fora da caixa. 

Em seu livro Aurora (1886), Nietzsche expressa em seu prefácio a forma e o cuidado que o leitor deve ter em relação a seus textos:

[...] Este prefácio chega tarde, mas não demasiado tarde; que importam,

por fim, cinco ou seis anos? Tal livro e tal problema não têm pressa; e,

além disso, nós somos amigos do ‘lento’, eu, assim como o meu livro. Não

fui, em vão, filólogo, e ainda o sou talvez. Filólogo quer dizer mestre na

leitura lenta, e que acaba por escrever lentamente. Mas não é que seja isto

somente um hábito em mim, é um prazer mau, um prazer maligno talvez?

Não escrever outra coisa senão o que poderia desesperar aos homens que

‘se apressam’. Pois a filologia é essa arte venerável que antes de tudo exige

uma coisa de seus admiradores: manter-se à parte, ir devagar, tornar-se

silencioso, tornar-se lento; como uma arte de ourivesaria e uma perícia no

conhecimento da ‘palavra’, uma arte que exige um trabalho delicado e que

não realiza nada se não trabalhamos com lentidão. [...] Esta arte, a que

me refiro, não termina facilmente nada; ensina a ler ‘bem’, quer dizer, a

ler de trás para frente, a ler devagar, com profundidade, com pensamentos

íntimos, com dúvidas e precauções, com dedos e olhos delicados... Amigos

pacientes, este livro somente pede leitores e filólogos perfeitos: ‘aprendei’

a ler-me bem".

A intenção de Nietzsche ao lançar suas ideias por meio de aforismos é justamente instigar seus leitores a pensarem, a lançarem questionamentos a respeito do que é lido, é pensar profundamente a respeito de algo. Inclusive, nos dias atuais esse método de leitura precisa ser restaurado. 

E como disse Nietzsche no prólogo de sua Genealogia da Moral: "Nossos tesouro está na colmeia de nosso conhecimento. Estamos sempre voltados a essa direção, pois somos insetos alados da natureza, coletores do mel da mente."

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

"Eu sou vários"

"Eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo. Você nunca saberá com quem está sentado ou quanto tempo permanecerá com cada um de mim. Mas prometo que, se nos sentarmos à mesa, nesse ritual sagrado eu lhe entregarei ao menos um dos tantos que sou, e correrei os riscos de estarmos juntos no mesmo plano. Desde logo, evite ilusões: também tenho um lado mau, ruim, que tento manter preso e que quando se solta me envergonha. Não sou santo, nem exemplo, infelizmente. Entre tantos, um dia me descubro, um dia serei eu mesmo, definitivamente. Como já foi dito: ouse conquistar a ti mesmo".

Há muitos anos este pensamento anda comigo. Ele expressa toda a pluridade do ser humano, com seus altos e baixos, angustias e alegrias e o próprio reconhecimento de que temos um lado mau e que em alguns casos nos envergonham. 

Por muitos anos acreditei que esta máxima teria sido escrita por Nietzsche. Entrtando, neste tempo que dedico à pesquisa dos ecritos de Nietzsche, numca encontrei esta passagem.

Procurei por muito tempo, e só agora percebí que estava às voltas no local errado. Acabei descobrindo sem querer ao assistir um vídeo da filósofa brasileira Scarlett Marton, cujo tema tratado era "Niilismos". 

Pois bem, quem escreveu esta máxima foi o escritor português Fernando Pessoa por meio de seu heterônimo "Ricardo Reis". 

É muito interessante perceber Fernando Pessoa aos olhos da Psicanálise, pois ele criou seus heterônimos e cada um tinha personalidade própria, inclusive com data de nascimento  e de morte. Mas não para por aí. 

"Por exemplo, consta que Ricardo Reis nasceu em Porto, Portugal, no dia 19 de setembro de 1887. Estudou em colégio de jesuítas e formou-se em medicina. Ricardo Reis era monarquista e exilou-se no Brasil, em 1919, por discordar da Proclamação da República Portuguesa. Foi profundo admirador da cultura clássica, tendo estudado latim, grego e mitologia. Sóbrio e claro, sustenta a convicção de que o  único caminho a se tomar na vida é o de afrontar a sorte com o silêncio.

{...}

A ideia desenvolvida em sua obra faz parte do pensamento Greco-romano: clareza, equilíbrio, as boas formas de viver, o prazer e a serenidade. Além do epicurismo, Ricardo Reis possuía o estoicismo também como influência, que propõe a aceitação do acontecimento das coisas e a rejeição às emoções e sentimentos exacerbados".

Um ponto interessante é que na biografia de Fernando Pessoa não é localizada a data da morte de Ricardo Reis. Mas o escritor brasileiro José Saramago em seu livro "A morte de Ricardo Reis" a situa em 1936.

Às vezes, quando penso em Fernando Pessoa, algo me liga ao filme "Fragmentado". Neste filme o personagem principal, Kevin (James McAvoy), possui 23 personalidades distintas. No caso do filme, Kevin tem o que a medicina chama de Transtorno dissociativo de personalidade. Este transtorno apresenta incapacidade de recordar eventos diários, informações pessoais importantes ou eventos traumáticos ou estressantes, todo os quais tipicamente não seriam normalmente perdidos com o esquecimento normal. A causa é quase invariavelmente trauma opressivo na infância. Mas está é uma área que a Psicanálise não pode atuar. 

Em essência a Psicanálise, ou melhor, seu método terapeutico age por meio de lembranças trazidas à tona, ou seja, um processo investigativo onde a lucidez das lembranças constroem um panorama e a partir daí o processo é estartado. Por esse motivo não temos objeto de estudo com uma pessoa com transtorno dissociativo de personalidade. 

Voltando a Fernando Pessoa, não acredito que ele tivesse esse transtorno. Acredito sim que ele foi um escritor genial, com um modo de pensar múltiplo, típico dos pensadores de sua época. 

Fernando Pessoa construiu 25 heterônimos, que são: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, António Mora, Charles James Search, Alexander Search, António Seabra, Barão de Teive, Bernardo Soares, Carlos Otto, Charles Robert Anon, Coelho Pacheco, Faustino Antunes, Frederico Reis, Frederick Wyatt, Henry More, I. I. Crosse, Jean Seul, Joaquim Moura Costa, Maria José, Pantaleão, Pêro Botelho, Raphael Baldaya, Thomas Crosse e Vicente Guedes.

Assim, só um mestre na escrita como Fernando Pessoa, para construir heterônimos tão únicos.

Mais um mito desfeito, e dessa vez foi extremamente positivo pois pude ter o prazer em iniciar meu mergulho nas obras de Fernando Pessoa, e ele sim, foi vários!